Comecei por encontrar um artigo no Jornal "O Público", datado de 11 de Janeiro de 2015, assinado por Alexandra Prado Coelho e acompanhado por uma bela ilustração de João Catarino.
Refere o artigo, o que paço a citar:
"São sete da noite de quarta-feira. O Chiado parece igual a qualquer outro dia. As esplanadas estão cheias apesar do frio, há turistas a fotografarem-se ao lado da estátua de Fernando Pessoa, há gente a olhar os livros na montra da Bertrand, outros a observar discretamente um homem-estátua. Há dois rapazes a dançar break-dance em frente à estátua do poeta Chiado.
Mas eu vim
para ir à igreja. Ou melhor, às igrejas. Passo em frente delas centenas de
vezes e raras vezes entro. Nossa Senhora da Encarnação, do lado direito de quem
vai descer o Chiado. Em frente dela, ligeiramente mais elevada, Nossa Senhora
do Loreto, a igreja dos italianos. E à frente, um pouco mais a baixo, a
Basílica dos Mártires.
É quase hora
da missa, e em cada uma estão meia dúzia de pessoas sentadas nos bancos, em
silêncio. Algumas rezam. A Nossa Senhora do Loreto está um pouco mais vazia, um
pouco mais escura, o tecto a precisar de restauro. Mas, tal como nas outras
duas, é um mundo de altares, de figuras, de pormenores, e só o fraco ruído de
vozes que entra por uma frincha da porta lateral nos recorda que lá fora é o
Largo Camões.
A Basílica
dos Mártires é a mais grandiosa. Compro um desdobrável que conta a antiquíssima
história, desde a sua fundação como pequena ermida, logo em 1147, o ano da
conquista de Lisboa aos mouros por D. Afonso Henriques. Relata o texto que a
intenção era nela “ser prestado culto à sagrada imagem de Nossa Senhora,
trazida pelos Cruzados ingleses, diante da qual o Rei Afonso pediu auxílio e
protecção à Mãe de Deus para conseguir aquilo que se propunha: fazer de Lisboa
uma cidade cristã”. Foi chamada dos Mártires em memória dos soldados cristãos
que morreram em combate.
Apesar de a
igreja barroca que existia antes do terramoto ter sido totalmente destruída na
tragédia de 1755, ainda vemos, ao lado esquerdo de quem entra, a pia baptismal
vinda da primitiva basílica. Numa placa na grade de ferro lê-se que “nesta
paróquia se administrou o primeiro baptismo depois da tomada de Lisboa aos
mouros”.
Mas o mais
surpreendente é a pequena estátua do Mártir Santo Expedito, do lado direito,
quase totalmente coberta de ex-votos, pequenas placas metálicas agradecendo as
graças concedidas. Muitas são de mães, ou de avós, que agradecem pelos filhos
ou netos. Raramente aparece descrita a graça que foi concedida e em muitas
apenas uma palavra: “Obrigado.” Procuro as mais antigas. Encontro algumas da
década de 50, mas há outras em que as letras já não se decifram, e que podem
ser anteriores.
Quem era Santo
Expedito? Um militar romano e cristão martirizado no século IV na Arménia,
tendo sido decapitado com uma espada. Aparentemente é uma figura misteriosa, da
qual se sabe pouco e que alguns questionam se terá mesmo existido (até sobre o
nome há diferentes versões). Na Basílica dos Mártires, reparo que a cruz que
segura na mão tem gravada a palavra “Hodie” — uma das lendas em torno
deste santo é a de que terá sido tentado por um corvo que gritava “Cras!
Cras!” [“amanhã!” em latim] numa tentativa de adiar a sua conversão ao
cristianismo. Em resposta, Expedito terá dito: “Hodie! [hoje!]”
E, no entanto, apesar de todas as dúvidas e lendas, é objecto de grande
devoção em muitos países.
Para o povo, ele não só existiu como continua a
ajudar todos aqueles que lhe pedem. Expedito é, como o nome indica, o santo das
causas urgentes.
Mas a informação
mais inesperada que encontro na Internet é que Expedito foi também adoptado
como o santo dos hackers e dos nerds. Um texto da revista Wired,
que parte de uma reportagem sobre este culto em Nova Orleães, conta que “a
Igreja Católica não sabe o que fazer ao Santo Expedito, que é demasiado pagão
para ser um verdadeiro santo, e demasiado popular para que as suas estátuas
sejam simplesmente atiradas porta fora”."
Portanto, neste trabalho publicado no Jornal acima referido, parece revelar que a devoção a Santo Expedito está a aumentar, ao ponto de ter mais atenção do que os nomes sagrados tradicionais, como a Nossa Senhora ou até Santo António ou São João. Talvez um sinal dos tempos, em que hoje parece ser tudo "urgente", com prazos, com metas a atingir. Vive-se a correr e exige-se do Ser Humano que corra contra o tempo. Os outros Santos talvez demorem mais tempo a conceder as suas Graças ou então os campos de ação de cada um acabam por ficar para segundo plano, tanta é a correria em que vivemos.
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